"A culpa é das inteligencia artificial"
A inteligência artificial virou o bode expiatório de muita gente.
Ned Ludd era um tecelão, que vivia em Anstey, perto de Leicester, na Inglaterra. Em 1779, após ser punido por vagabundagem pelos donos da fábrica em que trabalhava, ele se revoltou e destruiu duas máquinas de costura. A história virou uma espécie de lenda. Sempre que havia alguma sabotagem em uma fábrica têxtil, as pessoas ironicamente falavam: “A culpa é do Ned Ludd.” Pois bem, no século 19, durante a Revolução Industrial, as fábricas têxteis começaram a substituir trabalhadores por máquinas, que tornavam os produtos mais baratos. Um grupo de ex-trabalhadores, revoltados por terem sido trocados por máquinas, vociferou: “Como podem trocar trabalhadores habilidosos dessa forma fraudulenta, só para baratear os custos? E ainda por cima, produzindo bens de baixa qualidade? Isso não pode ficar assim!”
É, engraçado que os canhotos dizem que a Revolução Industrial levou a uma exploração dos pobres empregados pelos malvados empregadores. Bom, mas, se esse era o caso, porque os trabalhadores não ficaram contentes quando foram demitidos? Obviamente, porque era bem melhor ter um emprego em uma fábrica do que ficar desempregado e não ter dinheiro para comer. Bom, aí o grupo de ex-trabalhadores decidiu realizar ataques clandestinos às fábricas, destruindo aquelas máquinas que lhes haviam tirado o ganha-pão. Também enviavam cartas ameaçadoras aos donos das fábricas, ameaçando-os caso não voltassem atrás. Essas cartas eram assinadas com o pseudônimo de… Ned Ludd. E assim esse pessoal ficou conhecido como “os luditas”. Os luditas foram bastante ativos entre 1811 e 1816.
Entretanto, era um movimento que já havia nascido derrotado. Afinal, não é possível deter o avanço tecnológico, não é mesmo? Nesse caso, ele levava a produtos têxteis mais baratos, que eram uma bênção para a grande maioria das pessoas. Como sói acontecer, os luditas voltaram sua revolta para o lado errado. Sim, as condições econômicas naquele período tinham piorado muito. Havia mesmo bastante desemprego e o poder de compra da população decaía. Só que a culpa não era nem dos empresários, nem das máquinas – era do estado. No ínicio do século 19, o Reino Unido estava envolvido em guerras contra a França e os Estados Unidos. Para financiá-las, o país fez o que estados sempre fazem: taxaram ainda mais o rebanho, contraíram dívidas e imprimiram dinheiro. Daí aquela deterioração econômica.
Bom, com o tempo, o termo “ludita” passou a descrever àqueles opostos à industrialização, à automação, à computadorização e a novas tecnologias de modo geral. Hoje em dia, o ludismo tem, por exemplo, fortes conexões com o movimento ambientalista mais radical. E note, não há nenhum problema em se opor a certa tecnologia e deixar de usá-la. Às vezes, as preocupações com os impactos de uma nova tecnologia são pertinentes e devem ser discutidos. Até aí, tudo bem… Agora, o problema é violar a propriedade de terceiros por conta disso, seja destruindo-a diretamente, seja exigindo que o papai-estado intervenha de algum modo. Os luditas originais fizeram isso, e os neoluditas também o fazem. Recentemente, houve o surgimento de algo que despertou o ludita interior de muita gente: a inteligência artificial.
Embora já exista há muito tempo, o termo “inteligência artificial” se popularizou bastante no final do ano passado, com o lançamento do ChatGPT. Como você deve saber, o ChatGPT é uma ferramenta capaz de produzir textos semelhantes aos humanos, responder a perguntas e dar idéias. Suas respostas são impressionantes mesmo – não só pelo conteúdo, como também pela forma. Nem parece que foram dadas por um programa de computador! Contudo, o termo “inteligência artificial” é um tanto equivocado, pois os algoritmos exigem treinamento humano extensivo, não tem capacidade cognitiva e operam sob uma lógica completamente diferente da nossa. Há pesquisadores que, inclusive, preferem o termo “modelo de linguagem grande”. De todo modo, a chamada “inteligência artificial” está aí e veio para ficar.
O termo “inteligência artificial” e a qualidade das respostas produzidas por esses “modelos de linguagem grande” despertaram em muitos o medo recorrente de um futuro distópico, em que robôs nos substituem, nos desempregam e nos escravizam, levando a críticas de luditas. O que eles prevêem é o seguinte: (1) desemprego; conforme essa automação avança, mais e mais empregos serão perdidos; (2) controle; tecnologias inteligentes levarão a uma maior vigilância e à perda de mais liberdades; (3) desigualdade; a inteligência artificial aumentará o abismo social entre os ricos e os pobres; e (4) impacto ambiental; o desenvolvimento dessa tecnologia trará impactos ambientais significativos, principalmente em termos de consumo de energia e esgotamento dos recursos naturais. Basicamente é isso que eles alegam.
Agora, preste bem atenção. Desemprego, controle, desigualdade e impacto ambiental. Como já discuti em vários outros vídeos aqui no canal, o maior responsável por esses problemas é, de longe, o estado. Porém, tal como os luditas, esses neoluditas culpam uma nova tecnologia – no caso, a dita inteligência artificial – por coisas causadas pelo Leviatã. Pior, pedem ainda mais intervenção estatal. É tudo que políticos poderiam querer. Um bode expiatório para algo que eles mesmos causam… Não por acaso, países como Rússia, China, Irã, Síria, Cuba, Coréia do Norte e Itália já baniram o ChatGPT. Como se não fosse superfácil contornar esse banimento… Um dos motivos da corrente greve de roteiristas e atores de Hollywood é o uso da inteligência artificial nas obras. O excelente ator Bryan Cranston até fez um discurso patético contra ela.
No entanto, o que as preocupações dos neoluditas de fato revelam é medo e incompreensão do mercado. No curto prazo, a inteligência artificial gerará um deslocamento nos empregos. E não haverá nada que eles, eu ou você possamos fazer. Como comentei no início do vídeo, não é possível deter o avanço tecnológico. Se a substituição de alguém por uma inteligência artificial for economicamente vantajosa, ela acontecerá. Claro que quem perder o emprego vai se sentir injustiçado e revoltado. Faz parte. Mas caberá a pessoa encontrar uma outra atividade em que gere valor para os outros. No longo prazo, os padrões de trabalho simplesmente se alterarão. O seu uso será como outros avanços tecnológicos: aumentará a produtividade, diminuirá custos, melhorará a qualidade de vida de muitos e criará outros empregos.
O avanço tecnológico é um aspecto inerente a um mercado competitivo, em que inovadores se esforçam continuamente para gerar cada vez mais valor a custos cada vez menores. Vários empregos manuais, que consistiam somente em repetir mecanicamente uma mesma tarefa – como as linhas de montagem em fábricas – já foram abolidos e substituídos por outros. Com a inteligência artificial será a mesma coisa. Os temores desses neoluditas de que ela irá provocar desemprego, facilitar o controle, aumentar a desigualdade e impactar o meio ambiente estão todos direcionados erroneamente. Como falei, a culpa disso é do estado. Se os neoluditas estão de fato preocupados com tais problemas, que combatam as interferências estatais. E enquanto isso, que aprendam a tirar da inteligência artificial tudo aquilo que ela tem de bom.